Reforma tributária: impactos e desafios para o mercado de saúde e previdência

Por: Marcio Medeiros

8 de julho, 2025

CENÁRIO GERAL DA REFORMA TRIBUTÁRIA

A reforma tributária em curso no Brasil representa uma das mudanças mais profundas na estrutura fiscal do país nas últimas décadas. Para gestores de planos de saúde e fundos de pensão, entender como essa transformação impactará seus negócios é essencial para garantir a sustentabilidade e competitividade no médio e longo prazo. Este artigo explora os principais desafios e oportunidades que a reforma traz para o mercado de saúde suplementar e previdência complementar, com base em dados concretos, lições aprendidas internacionalmente e sugestões estratégicas para mitigar os impactos adversos.

A reforma propõe a implementação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, unificando tributos como PIS/COFINS, ICMS e ISS. O objetivo é simplificar um sistema fiscal historicamente complexo, reduzindo a burocracia e aumentando a transparência. Contudo, setores sensíveis como saúde suplementar e previdência complementar enfrentam desafios específicos, dada a dependência de regimes diferenciados de tributação e incentivos fiscais que tradicionalmente estimulam a adesão da população.

Segundo estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o sistema tributário brasileiro atual responde por cerca de 33% do custo final dos produtos e serviços. A reforma busca reduzir essa carga geral, mas pode aumentar os custos para alguns setores, incluindo saúde e previdência, devido à eliminação de benefícios específicos.

IMPACTOS ESPECÍFICOS NO MERCADO DE SAÚDE SUPLEMENTAR

Para gestores de planos de saúde, a reforma traz implicações diretas nos custos operacionais, na precificação dos produtos ofertados, atratividade dos produtos e compliance:

  1. Tributação sobre serviços médicos: a unificação tributária pode alterar significativamente a carga fiscal sobre hospitais, clínicas e laboratórios, que representam cerca de 60% dos custos operacionais dos planos de saúde. Um estudo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (ABRAPS) indica que um aumento de apenas 2% na carga tributária desses serviços poderia elevar os custos operacionais dos planos em até 1,2%.
  2. Dedutibilidade fiscal: atualmente, empresas podem deduzir até 10% do valor gasto com planos de saúde para funcionários da base tributária. Qualquer mudança nessa regra pode reduzir a oferta de planos corporativos, impactando diretamente a base de beneficiários. Estima-se que 70% dos usuários de planos de saúde no Brasil estejam vinculados a contratos corporativos. Até o momento há um posicionamento para manutenção da dedutibilidade.
  3. Precificação de produtos: a necessidade de revisar a estrutura de precificação exigirá análises atuariais mais sofisticadas. Para manter margens sustentáveis, será fundamental considerar não apenas a nova carga tributária, mas também fatores como inflação médica (cresceu 15,6% em 2022, aproximadamente 12,8% em 2023 e estimativa entre 10 a 12%, segundo a ANS) e envelhecimento populacional.
  4. Compliance tributário: a adaptação ao novo sistema demandará investimentos significativos em tecnologia e capacitação. Uma pesquisa da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais (CNseg) aponta que as seguradoras devem investir, em média, R$ 500 milhões nos próximos três anos para se adequar às novas exigências.

O NOVO CENÁRIO PARA A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

O setor de previdência complementar enfrenta desafios específicos com a reforma tributária:

  1. Incentivos à poupança de longo prazo: alterações nos benefícios fiscais para contribuições podem reduzir a atratividade dos produtos previdenciários. Nos EUA, por exemplo, mudanças semelhantes resultaram em uma queda de 15% nas adesões a planos de aposentadoria privada.
  2. Tributação de rendimentos: novas regras para tributação de rendimentos financeiros podem impactar diretamente o resultado líquido dos fundos de pensão.
  3. Competitividade entre produtos financeiros: mudanças na tributação relativa entre diferentes produtos de investimento podem alterar as preferências dos consumidores, exigindo inovação na oferta de soluções previdenciárias.
  4. Sustentabilidade financeira: em um cenário de possível redução de incentivos fiscais, os fundos de pensão precisarão encontrar novos diferenciais competitivos além dos benefícios tributários.

O QUE MUDA NA PRÁTICA PARA GESTORES DESSES MERCADOS?

Para gestores desses setores, é crucial adaptar-se às seguintes mudanças práticas:

PARA PLANOS DE SAÚDE:

  • Realizar a revisão completa da estrutura de custos tributários em toda a cadeia de serviços;
  • Desenvolver novos modelos de contratação com prestadores que considerem o impacto tributário;
  • Revisar as políticas de precificação considerando possíveis aumentos na carga tributária;
  • Investimento em tecnologia para adequação aos novos requisitos fiscais.

PARA FUNDOS DE PENSÃO:

  • Revisar as estratégias de comunicação sobre benefícios fiscais dos produtos;
  • Adaptar as políticas de investimento para otimização tributária;
  • Desenvolver produtos mais flexíveis que possam se adaptar às mudanças regulatórias;
  • Investir em educação financeira para participantes sobre os benefícios dos planos mesmo sem incentivos fiscais robustos.
  • Implementar ferramentas de análise de impacto tributário nas decisões de investimento.

DESAFIOS NO CONTEXTO GERAL

Alguns desafios transcendem as questões operacionais e afetam a própria sustentabilidade dos modelos de negócio:

  1. Pressão sobre Margens: O possível aumento da carga tributária pode comprimir margens já pressionadas por outras tendências setoriais, como inflação médica e envelhecimento populacional.
  2. Adesão e Retenção: Com potencial redução do poder aquisitivo da população devido a impactos inflacionários da reforma, manter os níveis de adesão e evitar aumentos na taxa de cancelamentos será desafiador. Estima-se que uma redução de 10% nos incentivos fiscais possa levar a um aumento de 5% na taxa de cancelamentos.
  3. Educação Financeira: A complexidade das mudanças tributárias exigirá esforços redobrados em educação financeira para que consumidores compreendam o valor dos produtos de saúde e previdência mesmo com possíveis reduções nos benefícios fiscais.
  4. Competitividade Setorial: Empresas com melhor capacidade de adaptação e eficiência tributária podem ganhar vantagens competitivas significativas, potencialmente alterando a dinâmica de mercado.

LIÇÕES APRENDIDAS DE EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS

Outros países que implementaram reformas tributárias semelhantes oferecem importantes lições:

  1. Portugal: A implementação do IVA único levou a um aumento inicial nos custos de planos de saúde, mas empresas que investiram em eficiência operacional conseguiram mitigar esses impactos ao longo do tempo.
  2. Canadá: O sistema dual de impostos sobre valor agregado demonstrou a importância de regimes diferenciados para serviços essenciais como saúde, com tratamento tributário especial para prevenir impactos negativos no acesso.
  3. Chile: A reforma tributária chilena mostrou como incentivos fiscais bem calibrados para previdência complementar podem compensar outras pressões tributárias, mantendo níveis adequados de poupança de longo prazo.
  4. Austrália: O sistema australiano evidencia a importância da previsibilidade e estabilidade nas regras tributárias para setores que dependem de planejamento de longo prazo.

ESTRATÉGIAS PARA NAVEGAÇÃO NO NOVO CENÁRIO

Para gestores que buscam não apenas sobreviver, mas prosperar no novo ambiente tributário, algumas estratégias devem ser consideradas:

  1. Participação Ativa no Debate Regulatório: Engajamento com associações setoriais para influenciar a regulamentação da reforma, defendendo tratamentos diferenciados para setores essenciais.
  2. Investimento em Eficiência Fiscal: Desenvolvimento de competências internas em planejamento tributário para otimização de resultados no novo cenário.
  3. Inovação em Produtos: Criação de soluções que mantenham sua atratividade mesmo com possíveis reduções de benefícios fiscais, agregando valor por meio de diferenciais de serviço e experiência.
  4. Digitalização de Processos: Aceleração da transformação digital para reduzir custos operacionais e compensar possíveis aumentos na carga tributária.
  5. Transparência com Stakeholders: Comunicação clara com beneficiários, participantes e acionistas sobre os impactos das mudanças tributárias e as estratégias de adaptação.

COMENTÁRIOS FINAIS

A reforma tributária representa simultaneamente um desafio e uma oportunidade para o mercado de saúde suplementar e previdência complementar. Embora as mudanças possam trazer pressões adicionais sobre custos e atratividade dos produtos, também abrem espaço para revisão de modelos de negócio e desenvolvimento de soluções mais eficientes e alinhadas às necessidades dos consumidores.

Os gestores que adotarem uma postura proativa, investindo em conhecimento tributário, eficiência operacional e inovação em produtos, estarão melhor posicionados para navegar com sucesso neste período de transformação. A capacidade de adaptação será um diferencial competitivo crucial, permitindo que organizações resilientes não apenas sobrevivam, mas prosperem em meio às mudanças estruturais do sistema tributário brasileiro.

Para garantir a sustentabilidade, é essencial que gestores de planos de saúde e fundos de pensão trabalhem em parceria com associações setoriais, reguladores e especialistas tributários. Além disso, a adoção de tecnologias avançadas, como inteligência artificial e big data, pode ser decisiva para otimizar processos e tomar decisões mais assertivas.

Investir em educação financeira para consumidores e participantes será igualmente estratégico, pois ajudará a preservar a percepção de valor dos produtos, mesmo diante de mudanças nos incentivos fiscais.

A reforma tributária demanda uma abordagem estratégica e holística. Gestores que anteciparem os impactos e investirem em soluções inovadoras estarão melhor preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades deste novo cenário. Investir em eficiência fiscal, inovação e digitalização será crucial para a sustentabilidade dos negócios no pós-reforma.

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Sobre o autor

Palestrante, consultor e pesquisador nos temas de governança corporativa, administração estratégica, gestão de riscos e compliance com expertise nas indústrias de planos de saúde, fundos de pensão, logística e infraestrutura.

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