
Passivos atuariais dos planos de modalidade de benefício definido (BD) têm se tornado uma dor de cabeça para as entidades fechadas de previdência complementar há algum tempo. E cada entidade e plano têm a sua própria razão para chegar à mesma conclusão: as mudanças das premissas utilizadas neste tipo de plano são complexas, difíceis de serem explicadas e, mesmo com testes aplicados às hipóteses que interferem no passivo, variam a cada ano.
Bom, nada disso é mentira. Sabemos que tábuas de mortalidade são testadas, no mínimo, a cada três anos e não importa se, em seu teste de hipóteses biométricas que o atuário aplica, em algum momento haverá a mudança da tábua de mortalidade e o fluxo do passivo será alterado. No entanto, quem lida com estes dados sabe que não há hipótese que cause mais ansiedade do que a taxa de desconto atuarial.
Segundo exigências da PREVIC, as hipóteses de taxa de juros devem ser realizadas anualmente, de forma a comprovar que a taxa de desconto a ser utilizada no cálculo do fluxo do passivo esteja em linha com os retornos esperados pela carteira de investimentos existente. É verdade que, se temos uma carteira, quase que completamente, marcada na curva, os estudos de aderência de taxas de juros não deveriam dar resultados tão diferentes. Mas o que acontece em muitas das entidades de previdência é que os papeis de NTN-B comprados há anos, estão começando a vencer ou têm uma duration curta, em comparação com seu fluxo do passivo.
Nos dois casos, o estudo fica comprometido, sendo necessário rever a taxa de juros para a avaliação atuarial. Em termos de cenário econômico, 1% a.a. não parece tão assustador, mas aqueles que vivem analisando e conhecem seu fluxo do passivo sabem que qualquer mudança na taxa de juros pode fazer uma diferença importante em seu passivo.
Para ilustrar melhor este contexto e os respectivos impactos, podemos fazer uma simulação considerando um plano de aposentadoria de modalidade BD, formada exclusivamente por aposentados , ou seja, pessoas já no momento de recebimento de benefícios. Nesta situação, o plano não tem oxigenação de pessoas mais jovens ou entrada de dinheiro. Consideramos também que todos os benefícios são de renda mensal vitalícia e a base de participantes é de 4.264 pessoas. Deste total, 3.427 são aposentados com idade média de 72 anos, recebendo aposentadoria média de R$ 3.521,00 mensais (seja normal ou de invalidez) e 837 são pensionistas com idade média de 73 anos, com benefício de R$ 3.862,10 mensais. Toda a população que compõe o plano é dividida em 50% homens e 50% mulheres em pensão.
Neste cenário, uma redução de 0,5% p.p. de sua taxa de juros aumenta o passivo em torno de 4%. Ou seja, para uma taxa de juros de 3,5%, o passivo é de R$ 2.315.258.125,15, enquanto que, para a taxa de 3%, o passivo passa a ser R$ 2.430.081.141,93. Observe algumas simulações:
Taxa de juros anual | Reserva |
---|---|
3,00% | R$ 2.430.081.141,93 |
3,50% | R$ 2.315.258.125,15 |
4,00% | R$ 2.209.556.624,85 |
4,50% | R$ 2.112.034.889,55 |
5,00% | R$ 2.021.867.706,44 |
5,50% | R$ 1.938.329.771,63 |
6,00% | R$ 1.860.781.738,05 |
Nas simulações apresentadas, podemos ver o impacto dos resultados de uma massa total. Quando observamos as reservas individuais, é possível perceber que quanto mais jovem o participante ou dependente com direito a renda mensal vitalícia, maior o impacto em sua reserva. Como na base analisada há mais pensionistas jovens do que aposentados, os pensionistas têm um impacto maior no estudo. Isso acontece pois, quanto mais jovem a pessoa, mais longo o período em que vai receber benefício e consequentemente maior o seu fluxo do passivo e, portanto, maior impacto em sua reserva. Veja as variações médias por faixa etária e mudança de taxa de juros:
Faixa Idade | De 3,0% a.a. para 3,5% a.a. | De 3,5% a.a. para 4,0% a.a. | De 4,0% a.a. para 4,5% a.a. | De 4,5% a.a. para 5,0% a.a. | De 5,0% a.a. para 5,5% a.a. | De 5,5% a.a. para 6,0% a.a. |
20 | 7,07% | 6,77% | 6,49% | 6,21% | 5,96% | 5,71% |
30 | 7,23% | 6,86% | 6,52% | 6,20% | 5,90% | 5,62% |
40 | 6,69% | 6,38% | 6,09% | 5,82% | 5,56% | 5,32% |
50 | 6,68% | 6,41% | 6,15% | 5,90% | 5,66% | 5,44% |
60 | 5,53% | 5,34% | 5,15% | 4,98% | 4,81% | 4,65% |
70 | 4,35% | 4,22% | 4,10% | 3,98% | 3,87% | 3,76% |
80 | 3,10% | 3,03% | 2,96% | 2,89% | 2,82% | 2,75% |
90 | 2,46% | 2,41% | 2,35% | 2,30% | 2,25% | 2,20% |
100 | 2,31% | 2,26% | 2,21% | 2,16% | 2,12% | 2,07% |
Considerando que, a cada ano, essa mesma população envelhece, podemos entender que o passivo deveria diminuir. No entanto, essa redução não consola aqueles que têm fluxos de passivo no limite de um déficit. A diminuição do passivo pelo envelhecimento de sua população não se equivale a um aumento causado pela diminuição da taxa de juros.
Obviamente estes resultados assumem a necessidade de diminuir a taxa de juros, mas há outras opções, como, por exemplo, diversificar os ativos da carteira para melhorar o retorno esperado. O lado negativo desta opção é um possível aumento no risco que essa diversificação pode causar em uma carteira de plano BD, em que, muitas vezes, os participantes já estão aposentados e o risco de déficit cairá sob a patrocinadora e estes aposentados. O que reforça a necessidade da intensa sinergia entre a área atuarial e a área de investimentos, para que a solução conjunta atenda da melhor forma aos participantes e à patrocinadora.
Lembramos que no caso do passivo atuarial, quanto maior a taxa, menor é o passivo – por se tratar de uma taxa de desconto. E o inverso também é real, quanto menor a taxa de desconto, maior o passivo. Desta maneira, cenários de aumento nas taxas de juros implicam em passivos menores, e cenários com taxas de juros baixos, causam aumento no passivo atuarial. Volatilidade essa, que pode ser suavizada, via estudos de ALM e marcação na curva.